Ser um peregrino

Coluna

Primeiro era o trabalho para se estabelecer bem na vida. Infelizmente o trabalho sonhado, o par perfeito e a boa vida foram superados pelo demônio da realidade. Então ficou para amanhã. Mas o amanhã nunca chegou porque o hoje estava no caminho. Foi preciso tomar outro rumo: um caminho aqui, outro ali, e finalmente, você encontrou seu próprio caminho e o trecho que vai da vida exterior para a interior. Seu ego já dizia, ao longo dos anos: quando tudo se dissolver, aí estará a paz. A alma sabe: é somente quando a paz chega ao seu ser que tudo se dissolve! Tanto literalmente quanto no sentido figurado… é isso mesmo que você deseja? Você tem coragem? E confiança? Tudo que está à sua volta repete o conselho: “Mantenha os dois pés no chão!”. Só que esse não é um bom método para seguir em frente!

Todos os dias recebemos do Banco da Vida 86.400 unidades de tempo para usar. E o que não utilizamos nos é retirado à noite: tempo é uma coisa que não conseguimos poupar. Além disso, há uma pegadinha: nossa conta no Banco da Vida pode ser fechada a qualquer momento! Então, o que sobra da história inacabada do “Livro da
minha Vida”? Se eu não partir em viagem ela vai ficar no primeiro capítulo – e isso fui sabendo aos poucos. Ora… Se o amanhã nunca chega é melhor ir embora agora mesmo, seguindo a Senda do Peregrino. Com o chapéu da coragem, a mochila cheia de perseverança e a capa de peregrino tecida com os fios da aspiração. “Na verdade, já nem eu mesmo sei quem sou nem para onde devo ir.”¹

Milagre: o peregrino que chega, já não é o buscador que partiu

Ser um peregrino como esse significa “perder -se na direção certa” – viver na certeza da incerteza conscientemente aceita. E esses não são os maiores impedimentos com os quais você se depara em seu labirinto interior. O maior obstáculo é, acima de tudo, a pedrinha em seu sapato: seu ego! Você está em busca de um caminho – o caminho sobre o qual falam os grandes mestres. Porém só existe o seu caminho, aquele que você vai abrindo enquanto vai seguindo em frente. E aí você percebe que não se trata de imitar a vida desses mestres, mas sim de pesquisar o que eles encontraram em sua peregrinação. Não existe caminho já aberto, mas, surpreendentemente, aqui e ali existem portais: o Portal do Desapego – porque algumas coisas são muito pesadas para levarmos conosco no caminho. O Portal do Autoconhecimento, pelo qual passamos com toda nossa imperfeição, como uma prova de que não temos medo da imperfeição. O Portal da Ligação, pelo qual percebemos tanto a dolorosa unidade com todo o gênero humano como a alegria da profunda ligação com o Todo! Sete portais – sete missões – sete colaborações – sete dádivas. Sete espirais que se elevam nessa jornada de peregrino! Do buscador de si mesmo, do buscador para a Alma, da Alma para o Ser. 

Milagre: o peregrino que chega, já não é o buscador que partiu! O caminho vai se transformando com o caminhar, e o caminho transforma o peregrino. Cada passo em falso vai treinando seus músculos espirituais. Cada ponte sobre um desfiladeiro proporciona um panorama espetacular da Montanha da Realização.

Por fim, parece que até a própria peregrinação passa por uma transformação. Depois da fase de busca, de reconhecimento do caminho, de obtenção de conhecimento e da etapa da escolha, vem a fase de estarmos ansiosamente a caminho – isso nos dois sentidos da palavra. Cada passo é um “deixar para trás”, um largar. E cada largar é um receber. Perdemos nosso mundo e ganhamos o Universo! ◊

¹ Frase extraída do texto “Bescheidenheit” (Simplicidade), do poeta austríaco Vridanc ou Freidank, séculos 12 -13. Curiosidade: esse pseudônimo significa “livre -pensador”

Pentagrama no 1 / 2017

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