Rosa, ó pura contradição

No cemitério da igreja do castelo St. Romanus em Raron en Oberwallis (Suíça) encontra-se uma discreta cruz de madeira traz as iniciais R.M.R.: Rainer Maria Rilke.

Seu túmulo traz uma misteriosa inscrição cujas palavras se situam, por assim dizer, na fronteira do indizível. Poderíamos traduzi-lo ao pé da letra assim:

Rosa, ó pura contradição,
Que não deseja ser o sono de ninguém
Sob tantas pálpebras.

Mas também poderíamos traduzir assim:

A rosa, por outro lado,
Não deseja adormecer
Sob os fardos da vida.

O que será que o autor quis dizer com essas palavras? O que seriam essas “puras contradições”? Que “desejo” é esse? E o que significa um sono “sob os fardos da vida”?

Ao escolher esse epitáfio, Rilke (1875-1926) indica mais uma vez a quintessência de sua visão espiritual. A essência de uma vida que, como a vida de todos os seres humanos, acontece entre a eternidade e o tempo. Uma vida entre, de um lado, a rosa do coração do ser verdadeiro que, em princípio, está despertando, e, de outro lado, o ser da antiga natureza – que, tal como uma pálpebra, recobre esse “olho do coração” e o fecha de tal modo que o ser humano está, de fato, adormecido por toda a eternidade. A rosa tangível é uma imagem dessa contradição entre o ser verdadeiro eterno, desperto, e a forma humana aparente e provisória que, assim como uma pálpebra, barra o acesso à consciência da eternidade.

A rosa do mundo
Isso fica ainda mais claro quando consideramos a rosa como a rosa do mundo, como a alma da humanidade. Seu cálice é como um olho aberto ao sol espiritual, sempre desperto. É “o sono de ninguém”. O ser crístico da humanidade está desperto, mas há inúmeras pétalas na rosa – distrações e identificações do ser humano terrestre, que recobrem com um véu esse olho desperto, como se fossem “inúmeras pálpebras”. Elas se colocam entre ele e o sol do espírito.

No entanto, o que é como “pálpebras fechadas” para ele é o anseio desse ser verdadeiro, do ser desperto, de não representar “sono para ninguém” apesar da ignorância de todos os homens terrestres. A aspiração de despertar, o desejo de ser desperto, pode comunicar-se às pálpebras fechadas a partir da Alma do Mundo.

Ela tem a faculdade de convidar essas pálpebras a se abrirem, permitindo à luz do sol brilhar no olho da alma. Cada membro da rosa da humanidade pode ser tocado, abrir-se e, assim, contribuir para o despertar de toda a humanidade, graças ao desejo da alma de despertar. Rilke foi uma dessas pessoas: ele era uma “pálpebra” que se abria, o que tornava possível o despertar.

Da mesma forma, por seus poemas, ele auxiliou outros a despertar.
Virá um dia em que todas as pálpebras fechadas e pesadas pelo sono se abrirão novamente – ou seja: um dia em que todas as personalidades-eu serão transfiguradas e despertas em conjunto. As almas espirituais formarão “o cálice da rosa” e, com as novas personalidades de cada um, todos “os membros” serão reunidos no despertar, vivendo e pensando e plenos de consciência que vem do Espírito e da Vida. ◊

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Pentagrama no 2 / 2108

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