I
Parecer ou ser?
A época em que vivemos é muito especial e interessante porque qualquer opinião estabelecida pode ser derrubada de um momento para outro.
A aparência de tudo aquilo a que nos apegamos pode nos escapar, estragar ou simplesmente desaparecer sem que percebamos. Por detrás dessa aparência não há nada. E, para não cairmos no abismo e no vazio, nos agarramos a uma nova aparência que depois de um tempo também deixará de nos amparar. A incerteza nos aprisiona e nos apegamos a ela. Onde estarão os valores seguros nos quais confiamos por tanto tempo? Será que os pilares de nossa visão de mundo são realmente essa imensa ilusão?
Os anos, dias e horas escorrem como areia entre nossos dedos e não conseguimos reter coisa alguma. Por isso as pessoas tendem tanto a agarrar-se à espuma do passado ou a tatear na névoa do futuro. Elas não enxergam o momento precioso do agora, o instante para o qual tudo converge e no qual tudo se decide.
Quem tem a coragem de reconhecer a fragilidade do aspecto exterior das coisas, que leva a sério
a inconstância do tempo e ousa procurar os fundamentos de suas próprias ilusões, destrói a fantasia e reconduz seu mundo interior a suas proporções essenciais. Mas o que é essencial? A sabedoria iniciática do Ocidente nos demonstra isso com nitidez na linguagem simbólica dos contos de fada como, por exemplo, no da Cinderela. A parte substancial, a essência em nós, é frágil e insignificante. Ela é como uma pobre menina que deve abastecer o fogão e, “procurar nas cinzas as lentilhas”, o pouquinho de comida que restou para ela. Lembramos aqui da poesia de van Camphuysen, de alguns séculos atrás:
Muita luta terá de ser travada,
muitas cruzes e misérias deverão ser suportadas,
haverá certamente preceitos sagrados,
um caminho estreito há de ser palmilhado,
e muitas preces serão proferidas,
durante todo o tempo em que estivermos aqui embaixo,
assim a paz do bom fim há de chegar um dia.
De fato é preciso que antes aconteça alguma coisa em nossas vidas. Precisamos passar por muitos e amargos enganos,
sobretudo os relacionados a nós mesmos, antes de encontrarmos coragem e nobreza suficientes para recuarmos um passo e nos tornarmos humildes. Humildes o bastante para reencontrarmos o que é essencial e reconhecermos que, como um filho ilegítimo, desperdiçamos aquilo que possuíamos de mais valioso para alcançar objetivos que agora reconhecemos que eram ilusórios.
Embora esteja oculto no mundo material, esse ser precioso e cheio de mistério não provém da matéria grosseira que sempre se desfaz como pó. Sua origem é infinitamente mais elevada. Para reconhecer isto parece que precisamos de um príncipe, um mensageiro, um enviado com uma consciência superior. E o sapato de cristal, a diminuta prova da origem da Cinderela é o passaporte com o qual a alma pode festejar um “casamento” novo, melhor e principesco. Essa consciência superior envolve a consciência antiga e limitada e deseja preenchê-la totalmente – não para monopolizá-la, mas para realizá-la completamente e torná-la infinitamente feliz.
II
Mariazinha e Teseu
O mundo continua girando e os contos de fada estão revivendo. João e Maria (a massa humana) perdem-se e chegam à apetitosa casinha da bruxa. O nome dela é Wi-Fi? Eles ficam mordiscando na casinha feita de pão de mel. João, que representa a massa humana, fica gordo e preguiçoso. Porém Maria está consciente do perigo: ela não quer ficar gorda e cevada para servir de sacrifício no jantar para a aranha da Web.
O fogo é atiçado e a Terra vai esquentando. A bruxa (Wi-Fi, Facebook, Tinder, Snapchat?) monitora de vez em quando para verificar se as crianças (a massa) já estão gordas o suficiente. Maria engana a bruxa mostrando um pauzinho através das grades. Quando tudo está no ponto e o fogo está quente o bastante (quanto tempo ainda leva?), a bruxa vai buscar as crianças, reunindo todas as suas energias para empregá-las visando seus objetivos. No entanto Maria, com a “presença de espírito” que tem, está vigilante e empurra a feiticeira para o fogo – e assim ela é queimada. Nesse momento ali estão queimando dois fogos: o da bruxa e o fogo do Espírito.
O conto põe as crianças – que somos nós – no caminho que leva para casa. E sempre foi assim. O fogo espiritual nos indica o caminho de volta!
Os contos de fada voltaram a chamar a atenção: todo mundo se reconhece neles, tanto individual como coletivamente. Os contos de fada têm muito mais a nos dizer do
que geralmente supomos. Eles podem ser revividos nos momentos que precisamos deles. Apenas precisamos aprender a interpretá-los novamente, a entender sua linguagem em nossa época, compreender ludicamente o que eles estão nos contando. O ser humano é uma criatura de carne e osso que pode ser colocada em movimento, pois em suas veias corre sangue. Com uma força surpreendente, quase inconcebível, o coração bombeia sangue através de nosso corpo. A Terra também tem um coração, um núcleo vivo no mais recôndito de seu ser. E o ar, oxigênio, nitrogênio e dióxido de carbono de que precisamos para viver são elaborados de forma permanente e vívida, até onde podemos pensar. E, de tempos em tempos são purificados através do organismo incrivelmente refinado de Gaia (a Terra) em um trabalho conjunto com o Sol (Zeus ou Júpiter, o espírito vital) e colocados à disposição para servir o ser humano em seu desenvolvimento. Não para prejudicá-lo, pois do contrário outras formas de vida inferior teriam sua energia vital roubada.
A Terra e o ser humano estão permanentemente ligados entre si. Mas agora parece que o “animal”, o “dragão dos mitos” está solto para devorar tudo o que é delicado, fino e nobre. Onde está o altivo Miguel, onde está o orgulhoso Jorge para abatê-lo?
A Terra está suando, o ser humano está perdendo o fôlego e as energias estão procurando uma saída, como sempre. Por essa razão,
A Terra e o ser humano estão permanentemente ligados entre si. Mas agora parece que o “animal”, o “dragão dos mitos” está solto para devorar tudo o que é delicado, fino e nobre. Onde está o altivo Miguel, onde está o orgulhoso Jorge para abatê-lo?
A Terra está suando, o ser humano está perdendo o fôlego e as energias estão procurando uma saída, como sempre. Por essa razão,
o fato de voltarmos a ser o “chefe” de nosso próprio sistema é um caminho inteligente. Assim, traremos novamente o Espírito à nossa vida e agiremos de acordo com ele. Veremos o próximo com os olhos do Espírito, desviaremos nosso olhar do rosto petrificado da Medusa e nos deixaremos conduzir pelo fio de Ariadne. Poderemos libertar nosso comportamento do poder do Minotauro ou jogar a bruxa no fogo, pois ela somente continuará vivendo enquanto nossa consciência permitir. Com o fio de Ariadne em mãos, aquilo que antes era um labirinto agora passa a ser uma via sétupla em espiral. Teseu vence o monstro. Gretel dá o último empurrão na bruxa. O que quer que aconteça, a confiança no Espírito deve ser o essencial em nossa vida. Não larguem o fio!
“O Fogo do Espírito nunca se apaga”. Esta parece ser a mensagem cheia de esperança que ilumina, por diversos ângulos, tanto os contos de fada como os mitos e escrituras sagradas. Também é o que diz o conto da Branca de Neve, a mordida na maçã, as sete fases no serviço na casa dos sete anões. O sono profundo causado pela maçã, o príncipe, o Espírito que, com seu beijo, desperta a essência da região transcendente da consciência superior. O beijo vale para todos. Todos são afetados. Despertem, apressem-se! Isso é o que diz a mensagem. ◊
Pentagrama no 4 / 2016