A unidade interior das religiões – Frithjof Schuon (filósofo 1907-1998)

 

Mesmo que você ainda não tenha dado uma olhada no livro, basta o título “A unidade interior das religiões” para ter uma ideia do assunto. Não é sem razão que, na Rosacruz Áurea, ao lado da Bíblia, utilizamos textos das mais diversas religiões universais, como os védicos, taoistas, budistas, sufistas, herméticos e maniqueistas. O tesouro espiritual desses textos originais é de grande inspiração para a religio, no sentido de vivificar no interior do ser humano a conexão entre Céu e Terra. Nesta resenha, utilizaremos, entre outros textos, a introdução de Paul Boersma para o livro A unidade transcendente das religiões, de Frithjof Schuon, traduzido por ele e publicado em 2017, e que foi tema de uma palestra realizada na Livraria Pentagrama em Haarlem, na Holanda.

Frithjof Schuon foi um autor importante no movimento Sophia Perennis, que constitui o fundamento metafísico da unidade das religiões. Escreveu livros que são referências sobre o Sufismo, a Arte Sagrada e a Alquimia. Qual o significado dessa corrente do século passado? Sophia Perennis (Sabedoria Eterna) ou Philosophia Perennis (Filosofia Eterna), por vezes também denominada Traditionalismus, tinha, ao lado de Schuon, nomes como René Guénon, Ananda Coomaraswamy, Titus Burckhardt e Willigis Jager.

O Tradicionalismo não era uma organização, mas sim um grupo de autores convencidos de que existe profunda unidade entre todas as religiões; eles a explicavam com a metáfora de que o topo de uma montanha pode ser escalado a partir de diferentes pontos situados na base. Assim como esses caminhos situados na base, as religiões têm seus próprios pontos de partida, seu tempo e seu lugar na Terra. Porém elas propõem uma senda para o ponto mais elevado da montanha, e os caminhos aproximam-se uns dos outros à medida que vão chegando mais alto: Quem penetrou mais fundo na dimensão interior de sua religião obtém mais compreensão para outras religiões.

Para quem está no topo (ou seja, o sentimento de unidade, a vivência de Deus, o Nirvana), tanto faz como chegou até lá.

Nesse livro, Schuon examina a fundo a diferença entre o que é esotérico e o que é exotérico. Ele se pergunta como, na História, esses dois opostos relacionam-se entre si, e qual seria o inter-relacionamento ideal. Examina os pontos de vista das religiões exotéricas quanto à verdade absoluta. Questiona também o valor da obra missionária e o desejo de converter pessoas. Ele cita alguns traços comuns a todas as metafísicas (ou ensinamentos esotéricos). Aborda ainda a função da Arte Sagrada no interior da religião comum (ou exotérica). E estabelece relações entre três religiões: cristianismo, islamismo e budismo.

Após cumprir o serviço militar, Schuon, nascido na Basileia (Suíça), vai a Paris estudar árabe por sentir-se atraído pelo islamismo. Corresponde-se com René Guénon, que vê o islamismo como a religião mais apropriada para auxiliar o mundo ocidental a recuperar o fundamento esotérico perdido.

Na Argélia, Schuon é iniciado no sufismo. Porém, ele também lê o Bhagavad Gita. Funda grupos sufis na Basileia, em Lausanne e em Amiéns. Durante a Segunda Guerra Mundial, buscou refúgio na Suíça. A instrução sufi de Schuon transforma-se sob a influência de uma experiência espiritual e, mais tarde, também através do hinduísmo. Ele desenvolve a prece do coração e destaca a conexão entre a vida diária e a evolução espiritual. Não existe concretização da presença divina sem que antes tenha havido um “vazio” ou uma “carência” por parte do ser humano.

René Guénon dizia que o cristianismo perdera seu caráter esotérico no terceiro ou quarto século. Schuon, ao contrário, escreveu que os sacramentos cristãos ainda são efetivos, por serem de natureza esotérica. Segundo ele, faltava acrescentar, igualmente, aspectos de valor espiritual, da moral e da estética. Entre os adeptos de Schuon havia tanto cristãos como pessoas que depois se voltaram para o islamismo. Estes últimos viam o islamismo como uma religião descomplicada e essencial, com caminhos de iniciação centenários.

Schuon visitou os habitantes originais da América do Norte e escreveu sobre seus antiquíssimos rituais; visitou também o ashram de Shankara, que no século IX explicara tão claramente a metafísica védica. Tinha contato com mestres sufis marroquinos, com vários mestres zen e com o hindu Swami Randas. Desse modo, aproximou-se cada vez mais da unidade interior das religiões.

Em seus mais de trinta livros, o leitor é conduzido de um conhecimento a outro. A única maneira de tomar um fôlego é pôr o livro de lado e refletir calmamente sobre ele. Em sua obra Le Soufisme, voile et quintessence (O sufismo, véus e quintessência, 1980) ele se afasta das formas menos puras. “Nosso ponto de partida é a Advaita Vedanta, uma visão não moralista do ser humano, a que o sufismo convencional está ligado.” Ele se volta contra a insistência demasiada nos elementos exotéricos no sufismo: a infiltração de sentimentalismo teológico no âmbito da pura metafísica.

Em Sentiers de Gnose (Sendas da Gnosis, 1957) Schuon destaca a importância da verdadeira Gnosis, que “é o ponto de partida entre as diferentes religiões”. Pode-se dizer que a consciência da unidade interior das religiões é como um embrião na Gnosis. “Considerada a partir do interior”, toda religião é a doutrina do Ser e sua manifestação terrena, e do caminho que leva à supressão do falso eu e à reintegração de nossa personalidade ao protótipo celeste. “Consideradas a partir do exterior”, as religiões são símbolos destinados a diversos receptáculos humanos. Apesar dessa limitação, elas podem ser uma bênção.

Uma citação do livro:
“Uma forma dogmática é superada quando examinamos sua profundidade e seu conteúdo universal, mas não em nome de um ideal antigo e imaginativo que nega a verdade pura.” Schuon tende sempre a ver o esotérico e o exotérico como dois componentes necessários. Assim, para ele, “a Gnosis está destinada àqueles cujo espírito, por natureza, está aberto aos conteúdos primordiais cósmico-divinos e, por isso, àqueles para quem o mundo das formas parece transparente. Portanto, a inteligibilidade do contexto universal deve-se ao conteúdo, e não à forma. As formas em si seriam incompreensíveis para o sábio porque, para ele, o limite seria incompreensível – seria um pensamento controverso, pois a sabedoria está justamente em penetrar as formas. O entendimento corriqueiro, ao contrário, vive nas formas e só vai além delas artificialmente a partir de certo esforço”.
 

Schuon aponta para a necessidade tanto do exotérico, da forma temporal, como do esotérico, o conteúdo mais profundo, eterno, universal, que está na base de todas essas formas. Quando a forma prevalece, pode acontecer que o exotérico já não seja alimentado pelo esotérico. Então a forma vazia leva à decadência e à guerra e produz outra vez uma nova forma.

Mais uma citação do capítulo Elementos da Metafísica:
“Ao pensamento só podem caber aqui duas tarefas: primeiro, proporcionar ao ser humano a própria visão espiritual, a incorporação orgânica do que foi obtido pela visão dos mestres; e, segundo, com o intelecto e a alma, remover os impedimentos que se opõem à sua visão – ou, em outras palavras, que encobrem o olho do coração para a Luz divina. Com isso, chegamos ao ponto em comum entre o esoterismo teórico-metafísico e o ascético-místico: a purificação do coração. Essa purificação, buscada pelo autodomínio e pela sublimação mística […], livra o espelho do coração e o intelecto das trevas e das cristalizações do eu. Assim como a Gnosis produz a purificação e a beleza da alma a partir do conhecimento, do mesmo modo a ascese mística da alma abre o caminho para o conhecimento, com auxílio da pureza e da beleza.” ◊

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Pentagrama no 1 / 2018

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