FRANK VAN EYSEL
Uma noite em Mostar – mas não uma noite de nosso século. Em pensamento, dirigimo-nos para a cidade de Mostar do século 9. Já naquela época ela era uma cidade antiga, que remontava aos tempos romanos. Ela abriga um dos centros mais importantes de uma fé igualmente antiga e que, no entanto, conservou sua pureza.
É uma noite do dia do Senhor, um dia muito respeitado por aqueles em quem vamos nos focar. Seguimos um pequeno grupo de bósnios vestidos muito simplesmente. Eles percorrem as ruas estreitas de sua pequena cidade.
Em quase todas as esquinas, cruzam com homens e mulheres com roupas multicoloridas que vão ou para a igreja ortodoxa grega, onde os rituais são coloridos e a música pesada, ou para o teatro cujos ornamentos são igualmente cheios de cores. E é difícil distinguir a igreja do teatro, porque ambos são alegres, as pessoas riem, e tanto em um caso como no outro, são vivazes e de bom humor.
Nossos amigos são calmos, simples e não se deixam distrair de forma alguma. Resolutos, eles passam a bela ponte de Trajano, cujo único arco de pedra cruza a rápida correnteza do rio Narenta, cravejado de pedras. Eles param em uma espécie de granja, cujos sóbrios muros de pedra e o telhado de palha não revelam o que ela contém.
Atrás de suas portas encontra-se um templo consagrado ao Todo–Poderoso… Eles adentram, nós os seguimos. Rapidamente o espaço se enche de homens e mulheres misturados, todos pacíficos e amáveis. O grande espaço claro é cercado por paredes brancas de cal e os bancos são feitos de madeira bruta.
Não há colunas ou pilares, nem decorações, fotos ou estátuas de santos. Também não há um altar ricamente decorado com candelabros e cálices de ouro, e no fundo está instalada uma grande mesa coberta por uma toalha de linho branco. As únicas coisas que se encontram sobre ela são um manuscrito do Novo Testamento e um rolo de pergaminho com alguns hinos inspirados na antiga Igreja Apostólica.
Desses indícios pode-se deduzir onde é o lugar do dirigente da comunidade. Ao lado da mesa está sentado um velho homem, cujos cachos brancos caem sobre os ombros. Ele também está vestido com o sóbrio traje camponês bósnio da época e não é nada diferente dos outros homens da mesma idade. Os traços de seu rosto, que expressam sabedoria, estão parcialmente escondidos por suas mãos; seu comportamento e gestos sugerem que ele está orando.
Em dado momento, ele se levanta e se ajoelha – a assistência faz o mesmo – e saúda a assembleia com sinceridade mediante fervorosa oração, cheia de força e devoção, com a qual deixa claro que seu nome Bogomil – “o homem que reza” – atesta seu real valor. É um nome que também se traduz como “Amigo de Deus“.
Ao final de sua oração, a assembleia junta-se a ele para recitar o Pai Nosso, concluído com um “amém” claramente audível. Em seguida, eles entoam um cântico de ritmo e tons magníficos. Esse canto remonta às melodias cantadas pelos apóstolos de Jesus e também por Mani. Continuam com a leitura de uma passagem do Novo Testamento.
Depois de ter depositado o manuscrito – inestimável tesouro –, ele explica e esclarece para seu público, particularmente atento, a peculiaridade e o simbolismo do grande exemplo que é Jesus, o Senhor. Ele fala do mestre que nada possuía pessoalmente, da rejeição por ele sofrida pelos seus, de sua incessante mensagem do advento do reino-no-homem.
Explica o significado interno de carregar a cruz, de morrer na cruz e do seu retorno às nuvens do céu, tudo o que todos devem representar em sua própria essência espiritual. Relata, então, das seis semanas terrenas de peregrinações desse homem-espírito em seu estado corporal quase glorificado, aprendendo, ensinando e demonstrando sua força poderosa.
Quando Bogomil afirma que Cristo significa “o fim de toda morte”, então, é como se a assembleia inteira, assim como Estêvão, visse as portas do céu se abrindo e ele cita o Salmo 24:
Depois de uma reunião bogomila de tão ardente e pura simplicidade, ressoava-lhes no ser interior o Pai Nosso gnóstico em sua intenção original:
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Pentagrama no 4 / 2017