Um advogado herege traz novamente à cena a questão dos Bogomilos

GOTTFRIED ARNOLD E SEU TESTEMUNHO DA VERDADE

 
Este artigo vem, em grande parte, de um discurso realizado no dia 3 de julho de 2017, durante o Congresso
Internacional Medieval anual (IMC), que aconteceu em Leeds, Inglaterra, pela 24ª vez.
Durante quatro dias, 2500 participantes, vindos de 57 países, debruçaram-se sobre o tema:
O Divino em cada Ser: a grande busca da Idade Média.
 
Perseguidos como hereges pela igreja ortodoxa mundial e pelos invasores otomanos da Europa Oriental, os Bogomilos foram expulsos de suas terras e levados até as proximidades do mar na Dalmácia. No final do século 15 pareciam ter sido definitivamente apagados da História, até que em 1699, um historiador e teólogo alemão lança sobre eles uma nova luz. Em seu livro Igrejas Objetivas e a História dos Hereges ele enfoca a “Teologia do Coração” identificando na Fraternidade Bogomila o Amor adormecido “no coração do homem”. Seu nome era Gottfried Arnold.
 
Durante cinco séculos, entre 950 a 1480, os bogomilos pregaram seus ensinamentos em grande parte da Europa. Sua doutrina expandiu-se por toda a península balcânica, rumo à Rússia e Bizâncio, chegando à Itália, à França, e ao longo do rio Reno até a cidade de Colônia, na Alemanha.
 
Na Bósnia e na Herzegovinia, a doutrina ganhou tal dimensão que por certo período tornou-se a “Religião oficial do Estado”. Os bogomilos sobreviveram aos Cátaros por mais de um século. Deles haviam recebido grande influência e chegaram a considerá-los seus “irmãos gnósticos mais velhos”. Foram os construtores da ponte da espiritualidade europeia.
 
O nome Bogomilo, significa o amado por Deus. Eles ensinavam em sua doutrina que o mundo possui uma estrutura dupla (uma atmosfera divina e outra, material) o que se refletia em cada ser humano, que, como o mundo, é igualmente duplo. Seu corpo pertence à Terra, mas sua alma é divina e sempre lhe relembra sua verdadeira origem. Cabe ao homem realizar a fusão consciente desse estado de ser duplo. Para isso ele deve despertar a semente de luz, a centelha de fogo adormecida em sua alma, fazendo dela o princípio diretor de sua vida.
 
A partir daí, um processo progressivo de purificação interior vai se desenvolvendo. Por meio dele, o ser humano deverá neutralizar todas as ligações que o prendem à terra. Sua origem divina manifesta-se cada vez mais claramente num processo progressivo de purificação interior onde, sozinho, ele saberá neutralizar as amarras da vida sem a necessidade da interferência de terceiros, sejam padres ou mesmo uma igreja. 
 
Para poder retornar à sua origem, o homem precisa aprender a agir de modo adequado em relação ao mal do mundo e o mal que existe dentro de si mesmo. Os bogomilos não lutavam contra o mal, não resistiam à sua força. Eles queriam envolvê-lo com amor, a fim de dissolvê-lo pouco a pouco, principalmente no interior do próprio ser. Contudo, essa é uma impressão muito incompleta do ensinamento bogomilo.

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Teólogo da corte como fonte de informações
No tempo de Gottfried Arnold – por volta de 1700 – existia apenas uma fonte disponível de dados sobre os bogomilos: o livro Panoplia Dogmatica (A armadura da fé), escrito pelo monge bizantino Euthymios Zigabenos, teólogo da corte do imperador Aleixo I (1056-1118) e editado em 1111.
 
Euthymios Zigabenos havia recebido a missão imperial de identificar pelo nome todos os hereges do Império Bizantino, reunindo essas informações em um livro. Em sua pesquisa ele tomou por base o interrogatório de Basílio, dirigente bogomilo, questionado pelo imperador bizantino. Na época, o bogomilismo vivia um período de grande expansão, chegando aos mais altos círculos de Constantinopla, para grande consternação do imperador. Para melhor compreender o que aconteceu citamos um resumo da famosa história:
“Aleixo havia convidado Basílio para uma conversa, sob o pretexto de querer converter-se à religião bogomila. Durante muitos dias, Basílio expôs a Aleixo, de maneira detalhada, a essência do ensinamento bogomilo. Ao final, torna-se claro o jogo duplo do imperador. Oculto por trás de uma cortina preta, Euthymios Zigabenos faz um relatório de tudo que havia sido dito por Basilio, obrigando-o a retratar-se e a converter-se à igreja ortodoxa. Ante a recusa do dirigente bogomilo ele é levado à fogueira ao lado de seus companheiros. “
 
Até 1700 esse episódio da historia permaneceu oculto. Ele vem à luz a partir do relato do soberano imperador. No texto, Zigabenos elogia a resolução de Aleixo e seu zelo por querer conservar a fé justa e correta. Posteriormente Ana, filha de Aleixo, escreve uma biografia onde louva o gênio do pai que deu provas de sua crença ao livrar da religião ortodoxa esses membros “odiosos”.
 
A imparcialidade incomparável de Gottfried Arnold
Como Arnold vai tratar esse episódio da História bogomila? De forma “imparcial” e, antes de ir mais longe, vale a pena esclarecer o sentido da palavra “imparcial”. 
 
Acertadamente foi dito, algumas vezes, que não há historiografia mais parcial que a da imparcialidade. No entanto, é preciso compreender o conceito que está por trás dessa palavra. Arnold escreveu seu livro com o olhar de alguém que se colocava acima das duas partes: um separatista que não se preocupa com julgamentos que vigoravam na época. O verdadeiro significado da palavra relaciona-se a escrever a História sem preconceitos, e sem os clichês usados durante séculos.
 
Por isso é dito acertadamente que o registro da história eclesiástica antes de Arnold só tinha olhos para os vencedores. Por outro lado, Arnold considerava o passado com os olhos de alguém que percebia igualmente os dois lados: a igreja e os hereges.
 
Foi por isso que ele revolucionou o entendimento da história. Os ortodoxos são os verdadeiros hereges; e os hereges de outrora são os “verdadeiros cristãos”. Diante dessa triste imagem do cristianismo histórico com suas disputas incessantes, Arnold opõe – e então surge um segundo significado da palavra “imparcial” – um princípio histórico confessional superior: a vivência religiosa direta. 
 
Ele está convencido de que somente um historiador que tivesse passado pela experiência da “iluminação interior” teria condições para escrever uma historiografia sobre o verdadeiro cristianismo. Sem isso, o critério mais importante para reconhecer a verdade estaria ausente. Por isso, Arnold coloca-se acima de todas as organizações e grupos religiosos que tentavam impor seu direito e superioridade.
 
Essas igrejas constroem muralhas à sua volta e são o oposto da verdadeira “Igreja do Coração.” Arnold emite um julgamento ao mesmo tempo mortal e reprovador quando diz:
“Babel!”. O protestantismo utilizava esse termo em relação à igreja católica, a igreja “papista” de onde ele veio. Com isso, Arnold visava todo tipo de correntes cristãs que utilizavam seu poder terrestre para impor a qualquer preço suas ideias. Esse tipo de igreja baseava-se somente em um cristianismo de aparências e mentiras.
“A Gnosis é a verdadeira e plena realização do ser humano,
graças ao conhecimento das questões divinas”
A volta ao verdadeiro ensinamento de Jesus
Voltemos aos bogomilos de Constantinopla. Observemos primeiro o texto de introdução do capítulo que Arnold dedica aos bogomilos: A perseguição sangrenta aos bogomilos e a seu chefe, Basílio, dá um exemplo típico do fato de que os assim chamados ‘hereges’ – termo inventado pelo clero corrompido – não passam de testemunhas vivas da verdade. Quanto ao clero, somente ele merecia ser chamado de ‘herege’. Em realidade, os ortodoxos eram os verdadeiros instigadores da heresia, os hipócritas do Oriente”.
 
O tom utilizado aqui não deixa dúvidas. Como sua descrição pessoal irá se desenvolver agora? Basílio, o chefe dos discípulos chamados hereges, era merecedor de toda a sua simpatia. Não são os homens e mulheres condenados os culpados, mas sim as pessoas que os julgam. Os hereges não eram os bogomilos, mas sim os perseguidores ortodoxos, pois os bogomilos não traíam o verdadeiro cristianismo. Afinal, essa palavra “herege” – derivada do grego ҡαθαρҁ,- e quer dizer puro – significa, na realidade, a volta ao verdadeiro ensinamento de Jesus.
 
Os que testemunham a verdade sofrem, porque têm contra si a autoridade clerical e a do Estado, que deformam o verdadeiro ensinamento. Esse é o ponto essencial da apologia de Arnold aos bogomilos. O motivo da perseguição da qual eles foram objeto só se explica pelo “egoísmo, uma política de poder exercida pelo clero que se sentia ameaçado pelos padres leigos (os perfeitos), os chamados hereges”.
 
Arnold prossegue: “Os eclesiásticos temiam por suas posições porque os bogomilos que ensinavam tinham como missão aniquilar as crenças supersticiosas e os rituais mentirosos”. Essa é a razão pela qual eles diziam: “Basílio estava obumbrado pelo diabo, e eles se apressaram para se desfazerem dele, queimando-o na fogueira.”
 
Imitação de Cristo e autorrendição
Aqui, Arnold nos conduz ao ponto essencial. O comportamento agressivo das igrejas orientais e ocidentais instituídas não visava, em primeiro lugar, o distanciamento da fé em Deus. O que os ofendia era a reivindicação de bogomilos e cátaros de que os sacramentos, principalmente a missa, não eram necessários para a autolibertação e a autorredenção.
 
A ideia não expressa era de que, pela missa no sacramento da eucaristia, um pedaço de pão não pode se transformar em algo divino, tratando-se, portanto, de ficção. Isso toca um ponto sensível: a rejeição do símbolo, a recusa da crença de que o divino tenha sido transmitido mediante um sistema ritual de símbolos. 
 
Os pretensos hereges não viam nisso nada além de uma encenação. Por outro lado, os bogomilos afirmavam haver entre eles pessoas de irradiação única e serena, ou seja, pessoas verdadeiramente humanas, autênticas e purificadas, que percebiam a realidade interior de Deus, também na vida cotidiana.
 
A atmosfera e a irradiação desses Perfeitos traziam consigo enorme força de atração. O “sucesso” dos bogomilos não se atinha apenas a sua doutrina religiosa ou sua participação social, mas, principalmente, ao auxílio prático que eles ofereciam, associado ao comportamento de seus Perfeitos, que sempre apresentavam conduta reta e irrepreensível.
 
Eram pessoas de alto prestígio e de grande credibilidade entre o povo. Seus ensinamentos cativavam as pessoas porque eram transmitidos com simplicidade e verdade. Seu comportamento de vida ascética e suas regras de elevada moral inspiravam as pessoas que naturalmente os respeitavam.
 
Por isso foi impossível, para Arnold, apresentar os bogomilos como hereges. Eles não representavam um desvio da igreja existente, não pregavam modificações dessa igreja, mas viviam uma religião diferente, universal: a religião da ação. A prática do auxílio ao próximo, a iluminação interior, a caridade permanente eram os sinais da imitação de Cristo e da total autorrendição.
O estrangeiro magnânimo
Os bogomilos introduziram em seu tempo uma vivência de Deus completamente diferente. Eles se mantinham acima de todas as religiões e crenças. “Ser de outra forma, diferente” significava para eles “pensar de outro modo”, de modo diferente do sistema coletivo. Isso quer dizer, principalmente, livrar-se das tradições, desapegar-se de si mesmo, dos dogmas impostos muitas vezes de modo violento e transmitidos de geração a geração.
 
Isso se traduz pelo fato de as pessoas tomarem sua própria responsabilidade nas mãos, conscientes de que todos os seres humanos são chamados à libertação. Gottfried Arnold foi o primeiro a dar-se conta desses aspectos dos “amigos de Deus” búlgaros.
 
Em linhas gerais, socialmente falando, eles não fizeram parte dos “outros”, banidos e excluídos do sistema coletivo social medieval. Eles estavam prontos a fazer grandes concessões para camuflar seu verdadeiro estado e disso davam provas de muita imaginação. Iam assistir à missa na igreja dirigente e faziam suas próprias reuniões geralmente à noite. Interiormente, sabiam-se diferentes. Eram “os outros” – e aqui encontramos provas que sinalizam este estado de “estrangeiros”.
 
O essencial de tudo isso é que os bogomilos eram exemplos vivos para seus contemporâneos: o verdadeiro significado de “o Outro-em-nós” – ou seja, o testemunho da atividade da centelha de energia divina que está presente em cada ser humano. Por isso, formaram um elo importante na corrente gnóstica através dos séculos.
 
No cristianismo original, essa energia era chamada de “Jesus, o amigo da humanidade”. Mas esse conceito durou muito pouco, desaparecendo 50 anos depois de Cristo. O teólogo Marcion de Sinope (nascido em 85) chamava essa força de “suave estrangeiro” ou “Deus estrangeiro”.
 
Com essa designação de “estrangeiro” esse grande teólogo queria dizer apenas “o perfeito que é completamente diferente de tudo o que conhecemos” – expressão geralmente empregada para designar o mistério interior que reside em cada ser humano.
 
O grande mérito dos bogomilos que Arnold Gottfried coloca em evidência, é que eles evocaram essa imago coelestis, a imagem do céu interior, em ações, de modo a tocar a humanidade – uma imagem que será atual para sempre. ◊
GOTTFRIED ARNOLD 
A região de língua alemã e holandesa na qual a obra-prima Igrejas Objetivas e História da Heresia de Arnold Gottgried foi divulgada era limitada. Por outro lado, a rede de “buscadores da Verdade” na qual Arnold baseou-se para escrever sua opus magnum (2600 fólios) era extensa e internacional. Sua obra História das Heresias foi intencionalmente escrita em alemão (e não em latim) para destiná-la aos habitantes de seu país. Ele a escreveu dirigindo cada livro na língua de cada um. Em sua região, essa obra histórica rendeu a seu autor mais ultrajes do que homenagens.
 
Ele não media suas palavras e não temia as autoridades, tratadas como “vacas sagradas”. Isso despertou resistência, principalmente nos círculos acadêmicos. Os títulos, por si só, já dizem bastante: O estudo corrompido da História, assim como as frases de abertura do discurso de inauguração que fez ao receber o cargo de professor em 1697, na Academia Ludoviana, Universidade de Ludwig de Giessen, na Alemanha.
 
“A destruição e a corrupção dos melhores é sempre maior e do que podemos mencionar e mostra-se mais evidente ainda na destruição da historiografia. Quando a História irradia verdade, ela é a base do direito público e um fundamento sólido para os reinos e impérios. Mas quando é deformada intencionalmente ou por negligência, então ela frequentemente anuncia a ruína das nações e dos reinos florescentes.”
 
Esse mestre rebelde, que ousava atacar as instituições científicas utilizando uma linguagem muito direta, percorreu auditórios lotados naquela cidade adormecida, mas lhe era impossível sobreviver nesse meio acadêmico limitado. Oito meses depois, ele abdica ao posto de professor na Universidade de Giessen.
 
Gottfried Arnold estudou Teologia em Wittenberg e em seguida tornou-se professor em Dresden. Em 1697 foi professor de História na Universidade de Giessen. Em seguida, deu aulas particulares por certo tempo na pitoresca cidadezinha de Quedlinburg. A partir de 1701 e até sua morte, em 1714, ele trabalhou como pastor e pregador. Por suas crônicas, Arnold é visto principalmente como um brilhante historiador do cristianismo, mas – por seu trabalho pastoral – também é tido como representante do pietismo radical alemão (pius = piedoso). Os pietistas ignoravam tanto quanto possível tudo o que era deste mundo e agiam em profundo respeito pelo cristianismo original. Eles se esforçavam pessoalmente em converter-se, praticando uma vida interior a serviço de Deus. Eles combinavam essa atitude com responsabilidades familiares piedosas, ao mesmo tempo em que mantinham a celebração do “dia do Senhor”.
 
Entre os precursores pietistas, encontramos nomes conhecidos de pessoas que militaram durante toda a vida em favor de um cristianismo centrado na prática e na piedade. Jacob Boehme foi um deles, assim como Johannes Arndt, um dos inspiradores de Johann Valentin Andreae, autor dos manifestos rosa-cruzes. Em sua História das Igrejas e Hereges – e em seu discurso inaugural – Arnold consagra grande parte de sua atenção a Jacob Boehme e aos rosa-cruzes. Ele cita um fragmento da Fama Fraternitatis para defender a verdade incontestável da Alquimia dos rosa-cruzes contra os sábios que davam intencionalmente uma explicação errada sobre ela.
 
Ele se volta principalmente contra o astrônomo francês Gassendi, que fabricara uma imagem fantasmagórica da Fraternidade e que, em uma polêmica com o rosa-cruz Robert Fludd, declarou não acreditar absolutamente nas dimensões divinas da Alquimia. Paralelamente a seu trabalho científico e pastoral na Alemanha, Gottfried Arnold foi ativo na Holanda como membro de uma “Fraternidade Filadélfica”, formada como uma imitação da “Philadelphian Society” britânica, inspirada no médico e sacerdote John Pordage e na mística Jane Leade. A finalidade principal das fraternidades filadélficas era o estudo e a imitação prática dos trabalhos de Jacob Boehme.
 
Durante sua laboriosa vida, numerosas publicações de Arnold foram geralmente desvalorizadas. O reconhecimento somente veio mais tarde. Os estudiosos holandeses célebres na História da Religião, como J. Lindeboom, chamam-no de “patrono dos hereges” – expressão dominante em mais de 200 anos de debate sobre os pretensos “hereges”. Goethe declara que foi “fortemente” influenciado por Arnold: “Esse homem não somente olha a História com sensibilidade, como também é, ao mesmo tempo, um religioso devotado e profundo. Suas opiniões são muito semelhantes às minhas. Sempre pensei que os hereges fossem insensatos e ateus, mas, Arnold, mostrou-me uma outra realidade.” O pesquisador gnóstico Gilles Quispel afirma enfaticamente que Arnold foi “um dos melhores historiadores de todos os tempos”.
A Bibliotheca Philosophica Hermética, em Amsterdã, dispõe ampla coleção de suas obras. www.ritmanlibrary.com.
ESTRANGEIRO NA TERRA – HABITANTE DO CÉU
Com o passar dos séculos, os termos “Outro” e “Estrangeiro” acabaram se tornando por assim dizer metáforas arquetípicas espirituais que inspiraram muitos poetas e pensadores e que frequentemente podem ser reconhecidos pelo aluno buscador. É o caso do verso bem conhecido do poeta flamengo Karel van de Woestijne (1878 – 1929) expresso em sua coletânea de poemas A casa do Pai: “Sou um estrangeiro que precisa caminhar rumo ao outono”.
 
Esse verso faz pensar que o personagem “eu” tornou-se estrangeiro em relação aos prazeres do verão da existência quando soube que estava encerrado em Deus e via agora o fim de sua vida se aproximar. Os bogomilos também conheciam essa “qualidade de sentir-se estrangeiro”. Essa sensação se dissipava quando, após uma preparação intensiva na busca da purificação interior, recebiam o consolamentum ou teleiosis. O estranho podia, então, ser chamado de “habitante celeste” – ou Perfeito, de acordo com a terminologia bogomila.
TORNAR-SE CONSCIENTE DO “OUTRO EM NÓS” 
O Outro em nós “não se manifesta com um ou outro método”. Ele é Pimandro ou Alter Ego, o Outro, o Espírito! É esse guia, impossível de ser achado no plano horizontal da dialética, que deveis buscar. Ele vos quer conduzir pela mão. Esse Outro podeis unicamente experimentar e ver, de modo muito particular, pela Alma-Espírito, que é a unidade entre a consciência do Espírito e o coração purificado na Gnosis. Quando abrirdes o coração à Luz das luzes, abrir-se-á a rosa do coração, e a cor e o perfume da rosa vos consolará.
 
Ao seguirdes essa Luz em seu propósito e segundo o seu ser (e através de todos os obstáculos) assim a fizerdes circular pelo vosso sistema, em sentido oposto à corrente sanguínea turbadora, então podereis firmar, conforme já consideramos anteriormente, o núcleo da Luz no coração celeste, no espaço aberto atrás do osso frontal. Preparareis de modo certo a câmara superior, a câmara purpúrea na cidade de Nephrite; e Pimandro, despertado do sono da morte, ocupará o seu trono nessa câmara superior e celebrará convosco a Santa Ceia.
 
[…] Pimandro, esse Deus-em-vós, então vos conduzirá aos portais da Gnosis, aos portais da Cabeça Áurea, onde brilha a clara Luz e onde não há treva alguma; onde ninguém está embriagado, mas perfeitamente lúcido. Se quiserdes atravessar esse portal, e liberar em vós esse reino, é preciso destruir a veste da ignorância, a veste da negação diária. Esse é o ponto do aprendizado da Escola Espiritual ao qual cotidianamente o aluno deve dedicar-se. É a tarefa essencial de todo o aprendizado segundo J. van Rijckenborgh. Adaptação de A Gnosis Egípcia e seu chamado no eterno presente, t2. Rosacruz Áurea: São Paulo, 1986.

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