Rosa Eterna

 

Não há planta ou flor que esteja tão ligada à ideia de amor quanto a rosa.
Geralmente oferecemos rosas para expressar nossas mais profundas afeições – elas são as flores preferidas para exprimir o amor. No cristianismo esotérico, a rosa celeste representa o Logos Solar ou Cristo. Jacob Boehme refere-se a ela como a rosa de Saron, Goethe fala das rosas misteriosas que cingem a haste da cruz.
Neste artigo, oferecemos um passeio pela literatura mundial, em busca da rainha das flores.

Em Paris, Rainer Maria Rilke costumava fazer um passeio à tarde, nos arredores de sua casa, em companhia de uma dama. Todos os dias eles passavam diante de uma mendiga sempre sentada no mesmo lugar. A acompanhante de Rilke sempre depositava uma moeda naquela mão magra. Rilke, porém, nunca levava dinheiro consigo. Certo dia, ele disse: “Nós deveríamos também dar algo para seu coração, e não apenas para sua mão”. Alguns dias depois, ele trouxe uma bela rosa vermelha e a colocou na mão estendida da mendiga, que se levantou sem dizer qualquer palavra, beijou a mão de Rilke e partiu. Somente uma semana depois ela estaria de volta ao seu lugar habitual. Então a amiga de Rilke perguntou: “De que ela terá vivido durante todo esse tempo?” Depois de refletir um pouco, Rilke respondeu: “Da rosa”.

Realmente, a “rainha das flores” tem o poder de exercer uma ação especial sobre uma pessoa. Desde os tempos antigos, as rosas têm atraído, fascinado e inspirado a humanidade por sua forma maravilhosa, suas cores e seus aromas deliciosos: até mesmo uma pessoa cega ama essa flor por seu perfume.

Consciente ou inconscientemente, ela é um símbolo que nos comove até as profundezas de nosso coração. O que a caracteriza é a disposição de suas pétalas, que se juntam numa espiral em torno de um eixo comum. Símbolo de pureza, de amor, de elevada espiritualidade, encontramos a rosa entre músicos, poetas, artistas, místicos, em alguns contos de fadas; mas, antes de tudo, em numerosos grupos gnósticos; e, desde o evento no Gólgota, ela também é frequentemente representada associada à cruz.

Já entre os maniqueus encontram-se curiosos túmulos da árvore da vida, em forma de cruz e com uma rosa no centro. Mani falava de uma cruz de luz. E na Irlanda existe um mosteiro denominado Clon Macnoise, que foi um antigo centro cristão para a espiritualidade, fundado no ano 546 por certo Ciarán. Em frente ao muro desse mosteiro eleva-se um pilar esculpido em pedra, com uma cruz tendo em seu centro uma rosa. E no cânon da música celta-irlandesa atual, que se inspira num passado espiritual, figura uma canção intitulada Rosa Mystica. No mundo da música, a rosa aparece muitas vezes.

A ópera maçônica “A flauta mágica”, escrita por Schikaneder, foi magistralmente musicada por W. A. Mozart. Tjeu van den Berk mostra de maneira fascinante que a ópera inteira, no que diz respeito ao texto, foi inspirada na obra Núpcias Alquímicas de Christian Rosenkreuz (Cristão Rosacruz). Ele diz: Quando encontra Tamino, pouco antes da grande prova do fogo e da água, e são autorizados a se abraçar pela primeira vez, Pamina fala sobre o caminho que ambos devem percorrer:

Estarei em todo lugar
Para estar ao seu lado
Eu mesma o conduzirei
O amor me guiará!
Você pode se perder no caminho das rosas
Pois as rosas sempre têm espinhos.

No início de século passado, Erik Satie interessou-se, a seu modo, pelo fenômeno Rosa-Cruz. Ele compôs uma peça para piano em três partes, com o nome “Sons da Rosa-Cruz”. Pouco mais tarde, o compositor Gustav Mahler, grande admirador de Mozart, introduziu em sua segunda sinfonia um cântico intitulado Urlicht:

Primordial:
Ó florzinhas vermelhas!
A humanidade está muito carente!
A humanidade está imersa em grande angústia!
[…]
Eu sou de Deus e para Deus quero voltar!
Deus me dará uma luz
Que vai brilhar para mim até a vida eterna!

O mundo foi criado para o amor: disso dão testemunho as rosas e os rouxinóis. (Hafiz)

O Oriente
No terceiro século de nossa era, Mani e os maniqueus orientavam-se decisivamente de maneira gnóstico-cristã. Mani via Jesus como o filho unigênito de Deus e ao mesmo tempo como nosso verdadeiro ser, o ser de luz: chamava-o, como homem perfeito, de a mais sublime rosa do Pai.

 

Após séculos de atividade nos países do leste e do norte da África, essa comunidade gnóstico-cristã foi desaparecendo devido a todo tipo de oposições, subsistindo por meio de pequenas comunidades gnósticas, nos movimentos dos paulicianos e dos bogomilos da Ásia Menor, na Bulgária e nos países eslavos vizinhos, como a atual Bósnia e Herzegóvina. Nesses países, ainda podemos ver muitas cruzes esculpidas em pedras ou steccie, que são cruzes talhadas em forma de rosa.

No século 12, foram estabelecidas ligações entre os bogomilos e as comunidades cátaras existentes, principalmente nos Pirineus. Ali também podemos ver, nessa paisagem comovente e nas paredes das grutas, cruzes magníficas e formas dispostas em formato de cruz, que dão testemunho da presença dessas comunidades do passado.
Citamos, do Tesouro de Luz de Mani:

Hoje te entregamos nossa rosa
Como uma árvore que dá frutos
A fim de que ela seja para nós
Como uma coroa de luz
Que poderás colocar sobre nossa cabeça.

Mais ao leste, na Pérsia, na Índia e no Paquistão, nos séculos 12 e 13, encontramos os célebres poetas persas sufis Hafiz e Rumi.

Hafiz diz: “O mundo foi criado para o amor: disso dão testemunho as rosas e os rouxinóis”. E outro poeta persa da época, Mahmub Shabistari, deu à sua coleção de poesias o nome de O Roseiral Secreto, sobre o qual ele diz:

Esse buquê de flores perfumadas
eu colhi nesse jardim
a que dei o nome de “o roseiral secreto”.
Em seu interior florescem as rosas
dos segredos do coração
antes jamais ouvidos.

As línguas dos lírios cantam em seu interior
E os olhos dos narcisos tudo contemplam,
de longe e de perto.
Em silêncio, olha cada um deles com os olhos de teu coração
Até que todas as tuas dúvidas se dissipem.

O mestre sufi indiano do início do século passado, Hazrat Inayat Kahn, que durante sua permanência na Holanda apontou como local apropriado para um templo sufi as dunas de Katwijk, disse em linguagem poética:

A rosa oferece-me Tua mensagem de amor.
Que meu coração desabroche em Teu amor
como uma rosa.

Itália
Dante Alighieri viveu de 1265 a 1321. No século 13, ele colocou em versos sua Divina Comédia, na qual podemos encontrar numerosos elementos gnósticos. Essa obra divide-se em três etapas, a saber: o Inferno, o Purgatório (a montanha da purificação) e o Paraíso (o reino dos céus).

No livro A Gnosis universal, J. van Rijckenborgh explica que Dante pode ser visto como o microcosmo em conflito, tocado pelo chamado da Gnosis. Nessa perspectiva, Virgílio é seu eu dialético, o eu que aspira a uma saída, e Beatriz é a nova alma, o homem renascido. Na história do poema de Dante, a rosa celeste tem como pátria o Empíreo, a mais elevada esfera celeste que engloba todas as esferas precedentes. Essas são as dez esferas ou dimensões que Dante e Beatriz atravessam na terceira etapa, para finalmente participar na Candida Rosa (a rosa branca) com o mais profundo conhecimento, a visão da divindade, a Visio Dei.

Mas, antes disso, Dante e Virgílio seguem um caminho em espiral ascendente, atravessando o Inferno e o Purgatório, e, ao atingirem o pico mais alto dessa montanha purificadora, Virgílio fica para trás. Lá, Dante encontra Beatriz, e com ela prossegue sua viagem, também em espiral, através das nove esferas celestes, até o Empíreo, que engloba tudo. No caminho, ele entra primeiro na esfera de Marte, onde vê aparecer uma imensa cruz cintilante. Ao longo dos braços da cruz há um intenso tráfego de almas e de anjos.

Após ter contemplado a rosa celeste, em cujas pétalas sucessivamente as almas transfiguradas se elevam a magnificências cada vez maiores, ele sabe, a partir desse momento, que se encontra no centro do movimento cósmico, e disso dá testemunho mediante as seguintes palavras:

E, se o ínfimo degrau em si recolhe
tão grande lume, qual é a largueza
desta rosa nas extremas folhas!
A vista minha em amplidão e alteza
não se perdia, mas tudo percebia
o quanto e o qual daquela alegria.

Perto e longe, ali, nem põe nem leva:
porque, onde Deus sem mediação governa
a lei natural nada releva.
No amarelo da rosa sempiterna
que se matiza e dilata, redolente,
me levava Beatriz, …

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Para os fedeli d’amore (os fiéis do amor), um grupo ativo de trovadores da mesma época na Itália, a rosa era um símbolo do amor. Esse grupo tentou, secretamente, conservar vivente o cristianismo esotérico universal na Itália, ao mesmo tempo em que implementava uma reforma espiritual da Igreja e do Estado. Além da rosa, carregavam também a cruz e a águia em sua bandeira.
Seus integrantes propagavam ideias cavalheirescas (incluindo o amor cortês) a fim de melhorar a sociedade. Da antiga forma poética dos sufis árabes, adotaram a imagem do Bem-amado, “pois a luz pura do Uno é muito difícil de suportar”.

 

Ficino e outros membros de sua Academia consideravam seus poemas “uma suprema declaração de amor” no sentido platônico. No seio de uma fraternidade fechada, buscavam a harmonia entre o lado humano de sua natureza e sua aspiração espiritual e mística, ao contrário dos monges mendigos que tentavam reprimir sua natureza inferior.

Podemos reconhecer seu sistema de seis graus internos nos seis guias da Divina Comédia de Dante. Alguns séculos mais tarde, na Holanda, quando Lutero e Calvino eram autoridades, um grupo semelhante encontrava-se também ativo, atuando igualmente de maneira secreta. Isso se deu no século 16, na época de Coornhert. Essa organização, que atuava baseada da Câmara de retórica de Amsterdã, De Egelantier, era chamada De Broeders in Liefde Bloeyende (Irmãos florescendo em Amor). Após Coornhert ter sido proibido de escrever pelas autoridades de Haarlem, seu amigo Spieghel convidou-o a tornar-se membro dessa confraria. Os demais membros eram dramaturgos e poetas como Vondel, Hooft e Bredero.

Esse grupo não se intitulava rosa-cruz, mas… qual é a importância de um nome? Contudo, quanto a sua essência, eles realmente eram. Seu emblema dá testemunho disso: continha uma rosa vermelha de sete pétalas com uma cruz cheia de espinhos abaixo, em torno da qual tanto abelhas como aranhas se movimentavam – exatamente o mesmo emblema do inglês Robert Fludd, que declarava abertamente ser um rosa-cruz. Fludd deve ter emprestado esse emblema dos Irmãos florescendo em Amor.

Do mesmo modo, Tobias Hess e seus irmãos em espírito, como J. V. Andreæ no sul da Alemanha, estava ciente da existência desse grupo de Amsterdã. Admirava sua visão universal do cristianismo, e vários elementos rosa-cruzes típicos correspondiam ao seu pensamento. Não está excluída a ideia de que os retóricos tenham podido influenciar os trabalhos do círculo de Tübingen; desejavam que seu ponto de vista fosse não somente propagado literalmente, mas também de forma teatral ou alegórica.

Isso porque, essa era uma época em que todas as figuras da nobreza espiritual estavam em contato mútuo no plano internacional; frequentemente conheciam os trabalhos uns dos outros e personagens como Joachim Morsius os visitavam, mantendo assim um contato bastante efetivo. Para todos eles, o simbolismo da rosa e da cruz era bem conhecido e tinha profundo significado. Nesse sentido, é justo concluir que, em segundo plano, esses grupos esotéricos ou indivíduos, como Dante e a Ordem da Rosa-Cruz, foram e continuam sendo uma fonte invisível de inspiração ao longo dos tempos.

Cristo, o Logos Solar, é igualmente designado com o nome de Rosa Celeste; e o poeta e gravador Jan Luykendo, no século 17, inspirado por Jacob Boehme, chamava Cristo de a Rosa de Saron. Alguns séculos depois, Johann Wolfgang von Goethe deixa claro que também foi inspirado pelos rosa-cruzes do século 17, dando disso testemunho em seu longo poema “Os Mistérios”, do qual citamos algumas passagens notáveis.

Nas estrofes 6 e 7, o peregrino Marcos dirige-se apressadamente a um belo edifício que irradia para ele, no entanto tem de esperar diante da porta fechada – e contempla uma imagem misteriosa. A estrofe número 8 diz o seguinte:

Ele vê diante de si, magnificentemente erigido, o símbolo
Que é o consolo e a esperança do mundo inteiro
Que, com sua força, engrandece tantos corações
Que faz tremer até mesmo a Morte,
Inimiga cruel que muitas vezes desfila em estandartes de guerra
Então, uma fonte refrescante o percorre novamente
Ele vê a cruz e baixa os olhos.

Estrofe 9:
Ele ainda sente a fonte de salvação que daí se derramou
E o quanto é sólida a fé que ela trouxe ao mundo;
Percebe o sentimento totalmente novo que ela anuncia
E como ela agora emerge em beleza juvenil.
Ele vê a cruz enlaçada por rosas.
Quem será que associou as rosas à cruz?
Vicejante, a coroa cresce para todos os lados
Para libertar a madeira rígida da insensibilidade.

Nas estrofes 33 e 34, Marcos é levado a uma sala na qual se eleva imponente abóboda construída em arestas, e vê treze assentos ao longo das paredes.

A rosa do deserto é outro símbolo marcante: ela pode permanecer fechada durante anos, aparentemente sem vida, mas, tão logo venham as chuvas, ela floresce magnificamente. É a rosa de Jericó, que simboliza a ressurreição e a vida eterna.

Então o verso 35 diz o seguinte:

 

Nas paredes, ele vê treze brasões pendurados,
Pois a cada lugar estava designado o seu.
Ele não se sentiu cativo de nenhum prestígio vão.
Em cada brasão era representado um profundo mistério
E o irmão Marcos ardia agora de anseio de conhecer
O sentido oculto dessas figuras.
O símbolo do centro inspira temor e silêncio.
Ele vê novamente a Cruz com os ramos das Rosas.

O poeta português Fernando Pessoa também foi fascinado pelos textos rosa-cruzes, conforme o testifica um de seus poemas, que diz:

Mas se a alma sente a sua forma errada,
Em si, que é sombra, vê enfim luzido
O Verbo deste mundo, humano e ungido,
Rosa perfeita, em Deus crucificada.

Existe na Bulgária uma região nas cercanias da cidade de Kazaniak, onde os vales dos dois rios formam um belo vale de rosas: a Rozova Dolina. Esse vale é celebrado há séculos por sua produção de rosas: mais de vinte e quatro por cento da produção da essência de rosas mundial vem desse vale. Todo ano celebram-se festivais com rosas e essência de rosas – e assim faz-se conhecer a força simbólica dessa flor das flores.

Peter Deunov, o patriarca da Fraternidade Branca búlgara, disse certa vez: “Um dos eventos mais importantes no cosmo é a abertura do broto da alma: todos os seres superiores no mundo divino aguardam com impaciência o desabrochar da alma humana”. O início desse processo de abertura é um momento de consciência.

No Opúsculo Comemorativo dedicado a Catharose de Petri, lemos: “Quando a consciência experimenta sua miséria e suspira por libertação e emite seu grito ao desconhecido, a rosa [como símbolo do divino no homem] recebe como um choque magnético, após o qual ela emite, mediante o esterno, uma espécie de reflexo como eco desse grito de socorro da alma. A força da rosa cria então uma abertura no santuário do coração impuro. Vemos, assim, que a primeira resposta da Gnosis realiza-se com auxílio da rosa. Com base nesse início, cada ser humano tem de continuar a construir, esforçando-se, em primeiro lugar, pela purificação do coração.”

No decorrer desse processo, assim escreve Antonin Gadal, “A cruz negra, símbolo do pecado, da penitência e da morte, transformar-se-á na cruz branca de luz, símbolo radiante da ressurreição, de onde fluem as rosas do amor eterno, rosas vivas perfumadas como as bocas dos anjos.”

E, certa vez, um irmão fiel da Rosa-Cruz terminou sua alocução dizendo:
Direis: “O Amor tem perfume?”
– Sim, é o perfume das rosas!” ◊

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Pentagrama no 2 / 2018

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