Para enxergarmos a Verdade não precisamos confiar somente em nossos sentidos. A Alma do Mundo exige o despertar de todas as faculdades humanas: a razão, a inteligência, a percepção, o pensamento, a experiência e o sentimento. Por outro lado, nossos sentidos nos roubam a Verdade. Em primeiro lugar, supõe-se que encontremos a Verdade em nós mesmos antes de conseguirmos percebê-la no mundo.
A Escola Espiritual da Rosacruz Áurea baseia-se em ensinamentos de caráter universal de todos os tempos. Quanto a isso, ela segue todos os movimentos gnósticos. Todos eles valorizavam muito a Tradição, ou seja, a pura observância e transmissão de uma doutrina de libertação. Ao mesmo tempo, a Escola está particularmente atenta a todas as expressões de nosso século que vão se apresentando no mundo, pelo bom motivo de que é na atualidade, no presente, que se encontram as possibilidades de estabelecermos relações com a sociedade humana.
Dessas interações com a sociedade surgem observações e abordagens que geram o ensinamento universal referente a cada uma delas especificamente. É assim que a Escola manifesta sua própria verdade, alcançada mediante autoentrega, amor, aspiração e serviço à humanidade.
O centro de seu trabalho torna-se tão luminoso que chega a fundir-se com o centro da Fraternidade Universal: esse é o segredo da Corrente Universal. Quem entra nos templos da Escola Espiritual com coração e cabeça abertos e receptivos sente a irradiação que exala desse centro luminoso.
Além da autenticidade dos ensinamentos do Tao chinês, dos trabalhos de Hermes Trismegisto no Egito e da herança da fraternidade precedente dos cátaros na França, a Escola faz que seus membros conheçam pensadores como Von Eckartshausen, Mikhail Naimy, Gustav Meyrink, Antonin Gadal – figuras que devem ser consideradas pilares sobre os quais a Rosacruz atual constrói incessantemente.
O francês Antonin Gadal (1877-1962) possuía vasto conhecimento histórico da corrente gnóstica. Durante toda a sua vida ele se esforçou para fazer da Gnosis um fator vivo no interior da sociedade. Foi com essa finalidade que ele realizou muitos de seus estudos, que tinham como fonte principal a literatura mundial da Idade Média.
A Sociedade Rosacruz dos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial foi a precursora da Escola Espiritual da Rosacruz Áurea. Ela vinha da Rosicrucian Fellowship, fundada por Max Heindel, e prestava muita atenção a tudo o que, na literatura, na arte e na música (especiamente na ópera) dizia respeito aos aspectos libertadores que poderiam elevar a alma humana.
Voltando ao passado, observamos a mesma imagem entre os rosa-cruzes clássicos alemães, no século 17: eles estavam em busca de uma sabedoria muito antiga, outrora preservada e que nesse momento era conclamada a ressurgir. Esses rosa-cruzes professavam sua fé sem rodeios:
“Nossa filosofia não é nada de novo. Ela é semelhante à que Adão recebeu após a Queda e que Moisés e Salomão aplicaram. Como a Verdade é única, simples e sempre idêntica a ela mesma (…) é errado afirmar: ‘Isto é verdadeiro de acordo com a Filosofia, mas falso de acordo com a Teologia’. Afinal, o que diz respeito a Platão, Aristóteles, Pitágoras e outros – tudo isso se funde e forma, em conjunto, uma esfera, ou um globo, cujas partes são iguais à distância do centro.”.
Aí está a filosofia que estudamos. Exploramos a profundidade, o silêncio, o repouso e o movimento – tanto no macrocosmo quanto no microcosmo. E fazemos isso não somente nos textos, mas, acima de tudo, na Verdade em nossa alma. E, assim como aqueles que vieram antes de nós, sabemos que estamos instalados nos ombros de gigantes! Em todos os tempos, até mesmo os maiores sábios diziam sempre que nada sabiam por si mesmos, mas sim pela Tradição.
É na Tradição que ressoam o respeito e a veneração pela Luz, assim como nós também testemunhamos, cheios de reconhecimento, a ligação direta com a Luz que já alcançamos mediante a fusão de dois centros nucleares: o do trabalho da Escola e o da Fraternidade. A cada dia, em nossos templos, circulam energias e a inspiração da Fraternidade – energias de outra natureza – e conseguimos senti-las. Se nos esquecêssemos dessa linhagem universal tão simples, o perigo de nos encontrarmos suspensos no vazio sempre estaria nos espreitando.
A Luz nos religa, ininterruptamente, à fonte única – a Alma do Mundo – e, por meio dela, ao Pai das Luzes. Todos os que dão testemunho disso nos ensinam que o Pai “estendeu a Alma do Mundo em forma de cruz sobre o corpo do Cosmo”.
“Consagrai-vos à exigência de vosso tempo”
A imagem da cruz não tem sua origem, de modo algum, na terrível história de um homem chamado Jesus, mas de acordo com o que Platão nos explica: “O Pai misturou os elementos de modo harmonioso, em proporções perfeitas. Os elementos que nasceram da efusão Dele mesmo e do sacrifício de seu Ser sublime. Foi isso que deu corpo ao mundo e foi em forma de cruz que ele estendeu a Alma do Mundo sobre esse corpo. O que há de divino no mundo é essa Alma do Mundo que tomou sobre si a crucificação a fim de que o mundo pudesse existir.”.
Agora compreendemos por que Platão chamava nosso mundo de “o túmulo do Divino” – porém não um túmulo no qual seria estendido um objeto morto, mas no qual se ocultaria algo eterno, para quem morrer seria simplesmente a oportunidade de provar a onipotência, a potência total da vida. Vejam que poderosa imagem simbólica! Realmente: o minutus mundus, o pequeno mundo representado pelo ser humano enquanto microcosmo, manifesta igualmente a imagem da cruz em sua personalidade. É sobre ela que repousa a alma, em forma de cruz, enquanto aguarda que suas forças recebam a oportunidade de se expressar com plena consciência!
Do mesmo modo, o templo sepulcral de Cristão Rosa-Cruz também é uma imagem universal. Nesse caso também não se trata da morte, mas sim da Alma do Mundo em si. Os que a descobrem nesse templo são irmãos muito alertas, atentos, investigativos, que se maravilham com ela, anseiam por ela e a ela dedicam toda a sua vida e sua energia. Eles acabam encontrando a porta… e, ao mesmo tempo, a oportunidade de “demonstrar a onipotência da vida.”.
Por isso é urgente a recomendação: “Levem a vida a sério!”. A vida é um dom, uma possibilidade que não podemos nos esquecer de descobrir agora – agora que ainda é possível. Fazemos isso participando da vida de modo a operar uma diferença em sentido positivo. Tudo o que um ser humano realiza é importante – principalmente quando ele o faz com a consciência da alma: tudo tem uma influência e um impacto.
Não sejamos indiferentes para não termos de chegar a uma conclusão do tipo: “Tudo o que eu achava que eram qualidades positivas – como o comedimento e a autonomia – provou ser uma forma de relutância covarde. Ao invés de intervir onde era possível em caso de injustiça ou de situação inadmissível […] muitas vezes eu me retirei para a segurança de minha concha”. Palavras da escritora holandesa Maria Stahlie, ao falar dela mesma há algum tempo em Fiel a si mesma.
É por isso que nossa fraternidade diz: “Dediquem-se às exigências de nossa época”.
Na verdade, basta compreender que a personalidade (= as artes) é imperfeita e que a cura é absolutamente necessária. Deixemos que Deus cumpra o trabalho através de nossas ações, enquanto nos dedicamos ao que é necessário para nós hoje, em nosso contexto.
Mas, vamos voltar ao assunto inicial: estávamos ocupados em fazer um mergulho na tradição universal, nas profundezas da Alma do Mundo, pesquisando a diferença entre a alma e a personalidade. Para os pitagóricos, eram os sentidos que nos faziam perceber os objetos sensíveis. Ora, nossos sentidos não nos permitem perceber a Alma do Mundo e, de certo ponto de vista, eles até nos impedem de percebê-la.
Portanto, eles não podem nos fazer enxergar a ordem harmoniosa de onde as coisas provêm. Somente a alma pode nos fazer ver isso. É a alma que cria, recria e purifica a ordem. Precisamos, antes, descobrir dentro de nós mesmos essa ordem harmoniosa, para depois conseguirmos perceber a Alma do Mundo no mundo exterior. Somos capazes de fazer isso quando conseguimos purificar nossos pensamentos.
Quando a mente está aberta e não condicionada, a alma pode trabalhar em colaboração com ela. Então na alma (e através dela) revela-se o significado profundo do mundo e aquilo que aí reina como um ordenamento eterno e necessário. A necessidade e a causa de nossa vida residem em nossa alma.
O significado profundo de nossa vida não pode ser encontrado naquilo que é exterior. É em outro nível – no campo da alma – que se encontram as respostas à necessária razão de ser de todas as coisas e no fato de elas serem como são. Os sábios nos dizem: “O significado do Universo revela-se à alma.”. O paradoxo reside no fato de que somente estaremos preparados para enxergar quando houver, em nós, uma alma que se ocupe disso.
Tudo o que a alma pôde realizar em favor de outra, manifesta-se no mundo sensível, e é impressionante ver o quanto muitas pessoas fazem por seu próximo atualmente. É exatamente aí que começa a vida da alma: trata-se de algo bem ancorado no gênero humano.
Não devemos acreditar nesse mal-entendido das teorias de Darwin, que dizem que o homem somente existe por instinto de conservação. Afinal, isso não é verdadeiro nem para os animais. Há biólogos, como Frans de Waal, que afirmam sem rodeios: “O altruísmo não é uma exclusividade do ser humano. Também observamos um comportamento moral entre os golfinhos, os elefantes e os macacos. Os animais podem muito bem tomar conta uns dos outros.”.
São inúmeras as sementes do bem que a Alma do Mundo depositou no ser humano. É que o homem é como a terra e a vida, semelhante ao vento, à chuva, às tempestades, ao verão, que se manifestam com violência na Terra. E, enquanto a violência grassa, as sementes amadurecem. Um dia, na superfície da Terra, na alma, o trigo vai compor paisagens ondulantes. Por isso, os rosa-cruzes mantêm sua atenção fixa na alma. Eles aram e cultivam sua terra, em sacrifício e serviço.
Quando falamos de amor e de oferenda, estamos em presença dos aspectos próprios da alma. É que a personalidade, que é transitória, possui propriedades diferentes das qualidades da alma, que pertence ao infinito e é eterna e ilimitada. A personalidade tem uma existência passageira. Por isso os pitagóricos diziam que somente os tolos poderiam confundir a personalidade com a alma. O homem é um ser complexo que, quando desperta, descobre a Gnosis.
No coração – que eles chamam de Ach – habita a bússola moral da personalidade. Ela é como um fio de prumo que indica a linha reta da vida ou os sombrios problemas das falsas motivações. Sim. Não é por acaso que Catharose de Petri disse que o Egito antigo era uma imensa escola iniciática – e podemos compreender isso muito bem. De fato: no início, o país era dirigido de modo tão justo e puro que milhares e milhares de entidades aí puderam alcançar sua libertação.
Platão também dá seu testemunho quando atesta que desde as origens, a sabedoria e as leis dos egípcios […] os estimulavam para investigar a ordem natural, inclusive fazendo profecias e também praticando a medicina, que traz a saúde e permite aos seres humanos extrair desses elementos sublimes tudo o que é necessário à vida.
A personalidade é o pensador que, como nós, está estreitamente ligado ao corpo. Ela desempenha um papel semelhante ao de um chefe de estação que sabe mexer nos trilhos para orientar o rumo dos trens, fazendo que circulem com segurança. Ela é a guardiã do percurso provisório que organiza as atividades da vida para satisfazer necessidades fisiológicas como beber e comer.
Ela age para garantir, sem esforço, todas as funções vitais – como a mobilidade e o crescimento do Ka, e zela para que não sejam reprimidas. Ela também garante as funções do Ba, tais como sentimentos de beleza, de elevação, de simpatia e de antipatia, e cuida para que a harmonia presida as motivações do coração e da mente. Enfim, ela cuida de tudo, sem conflito ou opressão.
Na linguagem dos antigos egípcios, “ser liberto” significava poder trabalhar nos campos da felicidade máxima a fim de viver eternamente com Osíris – que é o Espírito, a Alma do Mundo que tudo perpassa e de onde tudo procede. Todos nós somos uma centelha de seu Espírito, pois ele está presente em cada alma humana, de modo indivisível. Durante o dia, seu nome é Ra, pois nesse momento ele é o Sol e a potente energia que se oculta por detrás do disco solar. Durante a noite, ele é Osíris, o Espírito em si, Uno e indivisível, a Luz e Aquele que governa a metade desconhecida do mundo. Como Espírito em si, Osíris é sempre o Uno.
A Alma do Mundo Osíris, o eterno, já vive,Durante a vida efêmera, no ser humano verdadeiro
A ideia de que o corpo é entregue à terra e o eterno volta à sua origem atemporal nos faz compreender que, assim como o iniciado egípcio, que “morria em Osíris”, o rosa-cruz clássico “morre em Jesus (In Jesu morimur). Morremos por dentro, na alma, a fim de viver. Para o iniciado egípcio, também se tratava de uma morte iniciada no decorrer de sua vida. Durante sua vida temporal na Terra, o eterno Osíris também já estava vivo no ser humano verdadeiro, de modo absolutamente perfeito.
O ser humano torna-se o próprio Osíris quando, depois da morte corporal, tudo o que era da natureza inferior é apagado, lavado “no lago sul, onde os deuses se lavam durante a passagem da noite para o dia”. E esse Osíris, essa jovem e nova manifestação da Alma do Mundo, conserva em si mesmo a imagem do coração original.
Osíris representa também a constelação de Órion, formada por um grupo de estrelas visíveis durante toda a noite. Órion pertence à categoria das estrelas chamadas “fixas”. É lá em cima – entre os deuses, no céu onde as estrelas deixam passar um pouco da Luz original da Pátria Eterna – é lá que fica desde sempre a morada do coração que, depois da pesagem, é suficientemente leve, mais leve do que uma minúscula pena. Isso significa que a alma recém-nascida, o novo Osíris, está seguindo seu caminho das estrelas.
Você está reconhecendo essa expressão da Linguagem Universal? Observe o quanto é profunda a fonte na qual a Escola Espiritual da Rosacruz Áurea se baseia. Você está percebendo a unidade de linguagem com a fraternidade precedente, a comunidade dos cátaros? Lembra-se do Caminho das Estrelas que era percorrido pelo Puro, pelo Perfeito?
Talvez também você esteja vendo esse mesmo caminho diante de seus olhos, exatamente como Antonin Gadal o descreveu em seu livro No Caminho do Santo Graal! Trata-se de três grutas: Mès-Naut, Kepler e Ka, que representam a formação, a reforma e a transformação. Percebe o quanto o Corpo Vivo de nossa Escola constitui, para nosso tempo, uma pura imagem refletida da Alma do Mundo, acessível a todos?
Em todos os tempos sempre houve um Caminho Único que indica o mesmo processo: morte e transformação, transformação e morte – ou seja, formação, reforma e transformação. Eis a profunda Linguagem dos Mistérios! Essa linguagem não apresenta ideias contraditórias. Não: ela restabelece e cura e, fazendo isso, torna-se um bálsamo, um consolo, e, ao mesmo tempo, é uma advertência – sem que nem sequer uma palavra seja pronunciada. É que essa linguagem fala através de uma vibração sutil, refinada. Ela comunica com benevolência, adverte e repreende com misericórdia. Essa é a Linguagem do Amor – e ele emana em uma atmosfera incomparavelmente harmoniosa.
Imagine ainda esse pequeno mundo que somos nós. Aquele que, um dia, foi criado de acordo com as regras da arte, da estética, da harmonia e da coerência e que, agora, está perturbado, mergulhado na complexa existência humana.
A morte – aquela morte que os Mistérios têm como objetivo – não é nada mais que o restabelecimento da ordem original! No mundo exterior, o que morre desaparece, e aquilo que é transitório retorna à sua própria natureza ao estado anterior. Isso também é uma restauração da situação original.
Se compreendermos a nova linguagem do coração e entrarmos no templo sepulcral do microcosmo, todo o caos ocasionado pelos erros do pensar, sentir e agir deixará de existir. Assim, a ordem original será restabelecida. Não sou eu nem você quem realiza tudo isso. Nós temos apenas que “oferecer nossas mãos a Deus, que realiza o trabalho, e nos consagrar à exigência de nosso tempo” (Confessio Fraternitatis, p. 25).
Esta, sim, é a Gnosis concreta e atuante! Nesse sentido, morrer é voltar à paz interior, a um estado benfazejo no qual a mente se cala e então se estabelece em nós uma paz que ultrapassa todas as contradições. Nosso espaço interno torna-se belo e translúcido. O alento dos Mistérios do Jardim das Rosas espalha-se no espaço interior da alma.
O Evangelho da Verdade nos ilumina com a Luz suprema e esclarecedora do antigo Egito, que Valentino reacendeu em sua época: “É por essa razão que aquele que possui o Conhecimento é um ser que veio do Alto. Ao ser chamado, ele escuta, responde e se volta para Aquele que o chama. Ele caminha até Ele porque sabe de que modo é chamado.”
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Pentagrama no 1 / 2108