A melancolia da inquietude – Joke J. Hermsen

 

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A melancolia e a depressão, longe de serem sinais de uma inatividade paralisante, não seriam, ao contrário do que se pensava, um tempo de descanso que visa a uma preparação criativa, um “recuo para darmos um salto melhor?”

O cisne é um símbolo de sabedoria, de beleza e de melancolia”. É assim que Joke Hermsen, autora holandesa contemporânea, tenta, em seu último livro, relativizar a ideia dramática do canto do cisne, frequentemente interpretado de forma puramente romântica.

É certo que o ser humano é um homo melancholicus que, consciente da impermanência e da efemeridade das coisas, tenta transformar essas características em esperança e criatividade. Mas a autora se pergunta por que e como a melancolia aparece em nossa época para servir somente como força motriz da depressão e abater-se tão pesadamente sobre a atual população mundial, a julgar pelas enormes quantidades de antidepressivos engolidos pela humanidade.

Porque, mesmo quando a economia começa a se recuperar, a maré parece ser desfavorável, pois a inquietação e a ansiedade trazem consigo a melancolia e partem em direção ao lado sombrio da “fraqueza humana”.

Nossa alma torna-se joguete da melancolia, no sentido de atrair para si a ambiguidade: parece que é “a melancolia” que coloca em cena e impulsiona essa ambiguidade dentro dela.

A autora chama a atenção para o fato de que a melancolia possui duas facetas, e que, no início do Renascimento, as pessoas preferiam considerar seu aspecto positivo, que não leva à depressão.

Ela está se referindo à revalorização da melancolia contemplativa e criadora de Ficino, a qual caminha de mãos dadas com o desejo ardente e desenfreado de conhecimento do ser humano do Renascimento humanista, e que defende a tese do homem criativo e criador.

Aí está uma referência importante. Afinal, o próprio Ficino era muito receptivo à melancolia, a qual ele associava à atividade de Saturno, bem como aos “frutos” da criatividade que ela implica. Portanto, é especialmente na arte que podemos reconhecer a melancolia com mais frequência:

“Em muitos casos as artes são de natureza melancólica e podem despertar em nós sentimentos consoladores e de felicidade. Esse consolo está ligado à beleza, à solidariedade e à emoção, mas também à disposição de desejarmos refletir mais profundamente sobre a vida”, escreve Hermsen.

Nesse caso, que tipo de beleza e de emoção a melancolia pode nos oferecer? De acordo com a senhora Hermsen, de qualquer modo se trata de expressões artísticas que estão em contradição com a radiante imagem do ser humano positivo e eternamente otimista do neoliberalismo. A melancolia aprofunda, para além da superficialidade, a vida de uma sociedade perpetuamente alegre, impulsionada pela tecnologia e pelo comércio. O resultado é que a arte passa a responder ao desejo de dar forma ou expressão a algo que nunca existiu ou que não é lembrado.

Ainda assim, achamos que podemos reconhecer algo de nós mesmos na emoção que sentimos no momento em que nos vemos diante dessa arte – um eu que parece pertencer a um passado distante, do qual já não nos lembramos, mas que, apesar de tudo, está sempre em ação dentro de nós como uma aspiração.

Então, podemos ir para casa, “descansar e respirar depois de todas as ocupações isoladas e solitárias da vida”. Nesse ponto, Hermsen cita Lou Salomé (escritora, filósofa e psicóloga russa que viveu entre 1861-1937).

Hermsen coloca esse “eu” em um tipo de pré-memória – que ela reduz, de forma um tanto limitada, à infância. Ela afirma que entrar em nosso “verdadeiro” eu não é um processo incondicional. E leva em conta o autoesquecimento como condição importante: por meio dele, o amor despedaça o eu ou ego, fazendo que ele morra de uma “espécie” de morte. Ao mesmo tempo, quando os limites do eu são quebrados desse modo, o amor atende ao desejo desse eu de descer até as profundezas de seu ser interior, “do qual foi separado desde sua entrada na ordem simbólica”.

E segundo as palavras de Nietzsche: “Finalmente ele volta para casa – meu próprio Ser, que há tempos detém-se nessas terras estrangeiras e que se dispersa em meio a todas as coisas e circunstâncias”.

Hermsen não só conecta o aspecto criativo desse verdadeiro eu à condição imposta pelo amor, como também indica o que chama de condição kairótica: isto é, a arte deve moldar a dimensão do tempo para a consciência, brincando com o ritmo e a cadência das frases, imagens e sons. Explica-se: quem incita à melancolia é o tempo Cronos, o tempo limitado, medido pelo relógio, calendário, rotina, que sempre está semeando a inquietude. Mas é precisamente nesse momento da arte que o tempo Kairos (o momento certo, oportuno, o aspecto qualitativo do tempo) intervém nesse nível. Com isso, a autora parece querer dizer que só existe arte capaz de transformar a consciência quando fazemos uso do momentum, que se encontra na linha vertical do tempo!

A melancolia é um instante de pausa no qual é preparado, por assim dizer, o momento oportuno para aproveitarmos uma nova chance de transformação.

O grande mérito de Joke Hermsen quando indica a causa provável de numerosas depressões no mundo melancólico de hoje, é que ela ousa expressar o fato de que a reflexão e a criatividade – e mais especialmente ainda a nossa possibilidade de amar em autoesquecimento – podem ser uma panaceia contra essa melancolia, e que até podemos tirar proveito disso.

Em uma época na qual fica claro que a humanidade excedeu os limites de seu crescimento de forma irreversível e incorrigível, a autora ousa, felizmente, tomar uma posição firme contra a perigosa realidade socioeconômica atual, que pode tão facilmente nos levar ao esgotamento e à depressão.

Ela chama a atenção para a ideia de “esperança” abordada por Ernst Bloch, autor marxista alemão (1885-1997) que, no século passado, conseguiu criar “o princípio da esperança” (Das Prinzip Hoffnung) como importante chave cultural e humana. E ressalta que ele o criou diante da tendência inegável dessa realidade socioeconômica que está sempre alimentando o catastrofismo. Quem tem uma visão pessimista age de maneira paralisante, porque o ser humano precisa de esperança – caso contrário cairá na negatividade.

J. Hermsen não levou adiante sua pesquisa sobre a relação entre negatividade/repressão nem entre autoengano/esperança. É provável que a criatividade e o amor em total autoesquecimento possam dissolver completamente essa tensão. ◊

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Pentagrama no 1 / 2108

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