Cores e palavras vindas de uma fonte

“Permanece junto ao Vaso,
para que se revelem suas cores”.
O que significa isso? Como fazemos isso?
A procura pelo sentido dessas palavras
nos conduz a um encontro.
Ao refletir sobre essas palavras enigmáticas – permanecer junto ao Vaso para que se revelem suas cores – eu, sinceramente, a princípio mal sabia aonde isso levaria, mesmo já tendo lido, nos textos herméticos, sobre o kratér (a cratera, o grande vaso de mistura divino) ou, na literatura judaica, sobre a “quebra do Vaso” ou a “quebra do Mar de Cristal” na Criação. Então, se o Vaso está quebrado ou muito alto ou muito longe, como vou permanecer perto dele para que suas cores se manifestem?
Porém, apesar do “sorvo do esquecimento”, certamente devo ter captado um vislumbre de sua magnificência celeste. Com isso, este mundo perdeu imediatamente todo brilho para mim. Antes, ele era multicolorido e bem matizado; agora, não passa de um forte contraste de branco e preto.
Tudo já havia sido feito para preencher este vazio existencial e tentar lhe dar um colorido, como fazem, por exemplo, pessoas que bebem vinho sem gosto nas grandes festas até ficarem muito bêbadas. Pensei: “É que a hora do melhor vinho ainda não chegou, como dizia a história bíblica das bodas de Canãa”. E, então, senti um chamado que ressoava com muita clareza: “Ora, sede sóbrios, vós que estais na embriaguez e no sono da ignorância a respeito de Deus.” (frase de Hermes, Arquignosis Egípcia).
Desiludido, senti o brutal vazio do mundo inferior. Como um Rei Pescador (personagem da lenda de Parsifal: o Rei Anfortas) a quem apenas um banho quente podia aplacar as dores. Ou como um tolo cavaleiro do Graal (Parsifal), vagueando solitário através de vales cheios de sombras funestas.
A procura pelo Vaso Secreto também me levou a muitos desvios. Eu mais parecia estar fugindo dele do que em busca dele! Minha participação em competições acadêmicas também foi uma ilusão. Os troféus, apresentados como o que de mais alto podia ser alcançado, provavam ser meras taças de metal barato banhadas a ouro. E, nesse meio tempo, deixei passar por mim a outra taça: o cálice da amargura.
 
Um vasto panorama
Mas o chamado para aproximar-me do Vaso Sublime soava cada vez mais alto e penetrante, mesmo quando a viagem me levou ao ponto mais baixo, vagueando pelo rubro mar das paixões, andando penosamente sem destino através dos tórridos desertos da vida, batendo em vão nas rochas dos obstáculos.
Depois que comprovei que o Cálice do Graal, tão longamente buscado, não estava ao meu alcance, surgiu, à distância, algo a vista, como a fronteira de uma Terra Prometida. Terra Sagrada, Terra do Graal! Mas, mesmo assim, ainda era um caminho longo e difícil. Com todo o meu anseio pela Luz das Luzes, sempre conclamava as forças contrárias de taças de veneno cheias de forças obscuras!
Elas me tiraram a visão de um panorama mais amplo, muito além das fronteiras desta natureza.
Com a esperança de me livrar delas, finalmente me concentrei no Vaso e vi que dele emanava uma Luz que se refletia na natureza inferior, e que vinha de um Campo de Luz supranatural.
Foi então que aquele conselho chegou bem na hora! O conselho de “permanecer junto ao vaso” – de não me deixar desviar, de não ficar longe dele nunca mais, de estar perto dele mantendo distância, apesar de preferir segurá-lo e não largar nunca mais!
Precisamos nos aproximar dele com muita cautela e com toda a reverência! Sendo de puro cristal, ele conserva dentro de si a Luz suprema. Uma vibração mais baixa pode trincá-lo ou quebrá-lo em mil pedaços! Ou, se alguém misturar nele alguma substância imprópria, seu conteúdo fermenta e se transforma em uma bebida perigosa! Por isso, é melhor protegê-lo hermeticamente e não enchê-lo nunca mais com coisas inúteis e supérfluas.
Pensei: “Isso só é possível na estreita senda do esvaziamento de si mesmo: não enchê-lo com traços de personalidade nem colori-lo com características pessoais; não guardar suas copiosas dádivas para uso pessoal nem encará-las como posse privilegiada”. À medida que diminuímos diante daquele que cresce em nós, as cores vistosas empalidecem e todos os nossos caprichos se diluem – como em um cadinho.
 
Visão interior
Só podemos discernir corretamente quando nos colocamos bem perto de nós mesmos, entre o que pertence ao Vaso e o que não pertence a ele: entre o finito e o infinito, entre luz e trevas. E, então, como uma retorta de alquimista, tudo o que era velho é transformado e renovado; o que estava firme e cristalizado é diluído e purificado.
Quando nos tornamos tranquilos e silenciosos como um cálice vazio, manifesta-se, enfim, a plenitude do espírito, não em parte, mas completamente – e face a face! Nada disso é visível para os olhos exteriores: somente para o olhar interior contemplativo.
 E assim fica claro que ainda falta algo na nossa linguagem, algo está errado com nosso tom. Fixo-me no que é conhecido: não estou em condição de me envolver com o que é novo e inesperado, com algo que não é compatível com meus padrões de comportamento tão previsíveis. Por isso ainda faltam “cores” à minha história e ela só conhece um tempo linear. É por isso que não consigo mostrar para os outros as cores do vaso em uma linguagem cheia de Luz e com letras de fogo, nem oferecer qualquer esperança de lhes proporcionar um panorama da magnífica e ampla libertação que abrange todas as criaturas. Afinal, eu ouvi dizer que a Era de Aquário já chegou para o mundo inteiro e para toda a humanidade e que essa época tira do equilíbrio tudo o que é antigo provocando uma revolução total, não é mesmo? Por isso, agora tudo pode ser visto com sua completa riqueza de cores em uma perspectiva muito mais ampla. Por acaso não foi o Vaso de mistura hermético que baixou até nos como pia batismal para que todo o campo da criação mergulhasse nele? Não é verdade que o recipiente espiritual trabalha como centro de energia no meio deste mundo? Não é fato que temos de nos reunir continuamente em torno do Cálice do Graal com a consciência de que não somos nós mesmos o Vaso? Não é certo que devemos manter aberto o caminho para o Vaso sem demonstrar uma insensata autossuficiência ou um triunfalismo cego?
Somente então o único raio de Luz dourada pode ser repartido como através de um mar de cristal e dividir-se em sete raios. Somente então as correntes sanadoras do espírito sétuplo se derramarão abundantemente do Vaso, tornando visível todo o seu espectro de cores.
Com relação a isso, Catharose de Petri fala das numerosas possibilidades que agora se abrem nas sete novas cores que formam, todas juntas, a única e verdadeira Luz. Sete tons de vermelho têm relação com o sangue; sete tons de laranja, com o fluido nervoso; sete tons de amarelo, com a consciência; sete tons de verde, com a função da fé e da esperança; sete tons de azul, com os sentidos; sete tons de índigo, com a energia dinâmica; e sete tons de violeta, com o campo de radiação da libertação. Assim ela afirma em seu livro A Rosa-Cruz Áurea: “Quando se mistura da maneira correta a sete vezes sete cores, os quarenta e nove raios, obtém-se a cor branca. Então a pessoa, finalmente, porta as vestes imaculadas, puras, brancas como a neve, como diz a Bíblia, ‘do sangue do cordeiro’, alusão à plenitude da radiação dos sete focos da corrente universal em sua atuação conjunta. É a água viva da Gnosis Universal.”
Assim o Vaso já não está distante, alto e inatingível; ele está muito perto, não importa o lado para o qual nos voltemos. Já não está escondido e difícil de encontrar, mas está revelado, perceptível nítida e diretamente para todos. Todas as suas dádivas – quer as chamemos de remédio universal, panaceia, elixir da vida ou outra coisa – são ofertadas em abundância para a cura e o restabelecimento de muitos.
 
A entrega
Isso exige que não seguremos nada para nós mesmos. Devemos simplesmente elevar, cheios de esperança, nossos cálices abertos ou até mesmo fechados, para estendê-los a todos os que anseiam por ele. Precisamos oferecer diretamente e partilhar tudo o que recebemos com todos os que bebem da mesma fonte – para os que mantêm seu olhar dirigido para o Vaso assim como nós.
Nesse encontro, imagens aparentemente vazias adquirem novo significado: quadros desgastados são coloridos e ganham inúmeras dimensões.
Vamos imaginar algumas dessas imagens familiares sobre o Vaso – como a do homem com o cântaro, que indica o caminho para o salão de festas, o salão nupcial, para aí celebrar em conjunto o sacrifício de amor sacerdotal. Ou então diante da celebração da Santa Ceia, na presença do Mestre do Graal ungido com óleo de nardo do jarro de alabastro. Ou ainda a imagem do lava-pés, o cálice que circula de mão em mão, e as mãos que elevam cálices. E também a contemplação do vaso sagrado contendo, como orvalho sagrado, sete gotas do sangue glorificado do Salvador, e cujo interior contém a representação da serpente da nova consciência como, às vezes, é apresentado o amado apóstolo João. É preciso derramar o Vaso até os recantos mais distantes, convidar a humanidade inteira a se unir à Corrente de Fraternidades, para que possa ser acolhida por uma evolução superior, em uma espiral intergaláctica multicolorida, com todas as almas libertas reunidas, elevadas diante do Trono Universal da Luz.
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Marc Chagall. “Como toda vida leva inevitavelmente à morte, devemos, em vida, colorir o amor e a esperança com nossas próprias cores.”

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Imagens aparentemente vazias adquirem novo significado: quadros desgastados são coloridos e ganham inúmeras dimensões

Pentagrama no 2 / 2017

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